A Armadilha do Entusiasmo Tecnológico

Eduardo Magrani*, Bruna Castanheira** e Louise Marie Hurel***

Fonte: Valor Econômico

A tecnologia está mudando rapidamente a maneira como interagimos com o mundo a nossa volta. Sistemas automatizados que acendem as luzes e aquecem o jantar ao perceberem que você está saindo do trabalho para casa, impressoras 3D que produzem peças de reposição para objetos quebrados e dispensam a necessidade do usuário contactar o fabricante, drones que entregam remédios e comida ao consumidor, já são um cenário tecnológico presente. Visando atender às mais novas demandas dos consumidores, empresas hoje estão desenvolvendo produtos com interfaces tecnológicas que seriam inimagináveis há uma década. Observamos, portanto, rápidas mudanças resultantes da convergência entre as novas tecnologias e os setores econômicos, sociais e políticos.

Internet das Coisas, Inteligência Artificial, Drones, Computação Quântica, Impressoras 3D, Big Data, Cidades Inteligentes, são expressões que estarão cada vez mais em nosso cotidiano. Esses tópicos fazem parte do que vem sendo denominada de “Quarta Revolução Industrial”, tema do Fórum Econômico Mundial deste ano.  

O Fórum que ocorre entre 20 e 23 de janeiro em Davos, é um evento anual que reúne líderes mundiais de governos, setor privado e terceiro setor para discutir questões que envolvam preocupações globais. A reunião de 2016 visa explorar as problemáticas envolvendo a “Quarta Revolução Industrial”, tratando dos efeitos da crescente relação entre tecnologia e sociedade. Tal revolução refere-se à interseção entre o ambiente físico, digital e biológico, bem como o desenvolvimento de cada um à luz de três variáveis: velocidade, escala e impacto sistêmico.

Por um lado, as rápidas mudanças proporcionadas pela tecnologia podem trazer inúmeros benefícios aos consumidores. As impressoras 3D, por exemplo, vêm chamando atenção pelo potencial de revolucionar a forma como a manufatura foi desenvolvida nas últimas revoluções industriais, tornando desnecessário que estoques sejam feitos - afinal os produtos serão impressos à medida que forem demandados - além de inverter a lógica de transportes de produtos encomendados: estes poderão ser impressos pelos próprios consumidores (que se tornam “makers”) em suas cidades, dispensando a figura das grandes transportadoras e necessidades de armazéns, por exemplo.

Por outro lado, para além do entusiasmo da indústria, o cenário de mudanças traz com ele novas preocupações jurídicas, econômicas e sociais. Apesar das facilidades que parecem eminentes, é preciso considerar que junto ao rápido desenvolvimento, consequências negativas podem surgir. As impressoras 3D, anualmente, se tornam economicamente e tecnicamente mais acessíveis. Previsões indicam que em cerca de 20 anos, boa parte da população ou terá uma impressora em casa ou poderá acessar uma em algum lugar próximo.

Caso esta previsão se realize, estaremos diante de um cenário no qual preocupações ambientais enfrentarão novos desafios: como será mais fácil obter - através da impressão - o objeto que se deseja, pode ser que estes também sejam mais facilmente descartados. Afinal, a facilidade em obter aquilo que se quer pode refletir no valor que se dá ao objeto. Sendo assim, o número de materiais descartados para o lixo pode aumentar. Além disso, ao possibilitar mudanças na forma como a manufatura convencional é feita, a impressora 3D fará com que empregos relacionados a este meio percam seu propósito, de modo que seja gerado um crescimento significativo de desemprego. Este discurso encontra consonância com aquele já feito há algum tempo, sobre como a Inteligência Artificial irá substituir a mão de obra humana. O risco da mão de obra perante a força e eficiência da automação.

Em outro âmbito, no cenário da Internet das Coisas, os dispositivos conectados que nos acompanharão diária e constantemente, irão coletar, transmitir, armazenar e compartilhar uma quantidade enorme de dados, muitos deles estritamente particulares e mesmo íntimos. Com um aumento exponencial de utilização destes dispositivos, que já se encontram ou que entrarão em breve no mercado para serem consumidos, devemos estar atentos também aos riscos que isso pode trazer para a privacidade e demais direitos fundamentais dos usuários.

Levando em consideração o quão recente é esse cenário digital de hiperconectividade entre os dispositivos, ainda não temos consciência plena dos danos que podem ser causados e tampouco temos regulações jurídicas suficientes para evitar os prejuízos que podem advir do armazenamento, tratamento e compartilhamento dos nossos dados pessoais em um cenário de Internet das Coisas.

Seria possível afirmar que a incorporação massiva destas tecnologias em nosso cotidiano vêm crescendo mais rápido do que nossa habilidade de garantir a segurança e privacidade dos seus usuários. Assim como ocorre com a Internet das Coisas, as impressoras 3D também se proliferam mais rapidamente do que reflexões a respeito dos aspectos financeiros, sociais e jurídicos desta. E na carência de uma regulação pelo direito, estamos vivenciando, enquanto isso, uma auto-regulação do próprio mercado e uma regulação realizada muitas vezes através do design e da tecnologia. É preciso que o Direito avance de modo a buscar regulações adequadas às novas tecnologias, visando proteger adequadamente os direitos fundamentais individuais e coletivos.

É necessário, portanto, equilibrar o deslumbre pela tecnologia com uma certa desconfiança, considerando que a regulação privada atende a interesses específicos e que junto às facilidades tecnológicas, podemos estar abrindo mão de importantes garantias. O controle das informações pessoais é apenas uma delas.

 

* Professor e pesquisador no Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO.

** Pesquisadora no Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO.

*** Assistente de pesquisa no Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV DIREITO RIO.